Na última quinta-feira, dia 11, foi comemorado em todo o
país o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Física
Dos mais de 190 milhões de brasileiros, pelo menos 23,9% (45
milhões) declararam ao Censo (2010) possuir algum tipo de deficiência (mental,
auditiva, visual ou física). O número de deficientes é expressivo, mesmo assim
muitas vezes eles passam despercebidos. Sem exageros, pode-se dizer que são
cidadãos quase invisíveis perante a sociedade. Na última quinta-feira, dia 11,
foi comemorado o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Física. A data marca as
lutas e conquistas dessas pessoas que almejam o respeito e a promoção da
dignidade como responsabilidade de todos.
No Brasil, ao menos 13 milhões de pessoas se consideram
deficientes físicas, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística). Deficiência física é uma consequência de problemas que ocorrem no
cérebro ou sistema locomotor, e levam a um mau funcionamento ou paralisia de
membros. Entre as principais causas estão fatores genéticos, fatores virais ou
bacterianos, fatores neonatal ou ainda fatores traumáticos (especialmente os
medulares).
ALÉM DA ESPERANÇA
Celi é funcionária pública da biblioteca municipal |
O grau de dificuldade na vida de um deficiente físico é
sempre maior em praticamente todas as atividades que realiza e isso sem falar
no preconceito que muitos sofrem. Mesmo assim, a força de vontade, determinação
e a esperança de muitos deficientes rompe barreiras que parecem intransponíveis
a eles. "Qualquer pessoa que foge ao padrão do que seria normal é sempre
vista com outros olhos. O deficiente que disser que nunca sofreu nenhum tipo de
preconceito está mentindo", diz a funcionária pública Celi Fátima de
Pauli, que teve poliomielite aos seis meses de vida. A doença afetou a
coordenação motora dela. Hoje, aos 45 anos, ela ainda não cansou de lutar e
provar para si mesma de que é capaz de levar uma vida normal como qualquer
outra pessoa.
"Comecei a andar com sete anos. E só fui para a escola
pela primeira vez aos 21. Queria muito aprender a ler e achava que não
conseguiria escrever, mas hoje consigo fazer isso no computador", conta
ela, que em 1995 escreveu e lançou um livro autobiográfico.
Passando pelo supletivo de jovens e adultos, Celi terminou o
Ensino Médio em 1999, e imediatamente iniciou o curso de Artes, se formou, e
pós graduou-se em Educação Especial. "Hoje tem toda essa questão de
inclusão social, mas na época em que iniciei os estudos não havia muito disso
aqui em São Miguel do Oeste. Nunca tive problemas com colegas, todos me
tratavam bem, o que me chateava eram alguns professores demonstrarem certo
preconceito comigo".
Mesmo com as dificuldades e desconfianças do dia a dia, ela
lembra que nunca pensou em desistir dos objetivos: "Quanto mais eu era
desafiada, mais eu queria provar que podia fazer as coisas".
ARTE COM OS PÉS
Quem já assistiu ao filme "Meu pé esquerdo" de
1989, baseado na história real do irlandês Christy Brown, sabe como é
impressionante a capacidade do ser humano de vencer barreiras e se superar. No
longa-metragem, algumas das cenas mais incríveis são as que Brown aparece
desenhando quadros com o pé esquerdo. Assim como no filme, impossibilitada de
usar as mãos para pintar, Celi também não teve medo de aprender a pintar e
fazer arte com o pé (direito). Com o pincel entre os dedos, ela desenha belos
quadros e se surpreende: "Para pintar com o pé, não tenho dificuldades. Eu
às vezes olho para os quadros e penso: Será que fui eu que fiz?", brinca.
VIDA SOBRE DUAS RODAS
A frase 'vida sobre duas rodas' tem íntima relação com Luiz
Elizeu de Vargas, de 56 anos. Mas não, ele não é motociclista e nunca foi. Luiz
é cadeirante e a cadeira de rodas é a extensão do seu corpo há mais de 35 anos.
Aos 19 anos, em plena juventude, ele conta que servia o Exército na cidade de
Pelotas/RS quando sofreu um acidente com arma de fogo. Um colega, ao manusear
uma arma, acabou acertando-o sem intenção, quando Luiz estava deitado. O tiro
atingiu a terceira e quarta vértebras que ficam na altura aproximada do umbigo.
Daquele dia em diante, a vida do jovem se transformaria para sempre.
"Aprendi a ser guerreiro, foi uma situação difícil, o desânimo e a
tristeza bateram, mas superei para poder continuar vivendo".
Mesmo com a dificuldade de locomoção, Luiz conta que decidiu
levar uma vida normal. Depois de mais de cinco anos de tratamento, após o
acidente, veio morar em São Miguel do Oeste. Aqui ele conta que realizava todas
as atividades possíveis. "Ia ao banco normalmente, fazia o que podia. Claro
que, devido à falta de acessibilidade, ficava impossibilitado de realizar
muitas coisas. As pessoas estranhavam, no começo, que um cadeirante circulasse
pela cidade. Nos anos 80, aqui na cidade ainda não estavam acostumados a ver
esse tipo de atitude", lembra.
ESPORTE
Luiz deixa claro que a dificuldade de locomoção nunca foi
encarada como obstáculo. O amor e a satisfação que ainda tem pelo esporte são
sentimentos importantes que o ajudaram muito ao longo dos anos. "Sempre
gostei muito de futebol, aí tive a ideia de montar uma escolinha e logo
começamos a participar de campeonatos", comenta. A partir desta
iniciativa, ele conheceu pessoas e fez amigos. "O esporte foi uma das
minhas maiores realizações, que me proporcionou maior integração e superação".
Depois desta experiência começaram a aparecer oportunidades
para que ele participasse de competições destinadas exclusivamente para
deficientes físicos. "Participava de jogos de dama, xadrez, dominó e fui
muitas vezes campeão. Acredito até que foi através destas práticas que consegui
maior longevidade, porque é difícil um cadeirante viver tanto tempo sobre uma
cadeira de rodas", diz ele, explicando que pelo fato de ficar muito tempo
sentado um cadeirante precisa de cuidados extremos com a saúde.
ACESSIBILIDADE
Luiz Elizeu em seu carro adaptado para cadeirantes |
Quanto à acessibilidade, Luiz destaca que ainda é preciso
fazer muita coisa, mas salienta: "Não é o padrão ideal, mas progrediu
muito, percebo que existe uma consciência maior das pessoas quanto à
acessibilidade, mas também porque agora é lei e os estabelecimentos e prédios
comerciais têm de se adequar".
Ele ainda comenta que há muitos lugares que parecem estar
adaptados, mas com rampas e elevadores que não ajudam muito. "As pessoas
têm que ter noção, as adaptações para acesso dos deficientes físicos têm que
estar dentro das condições ideais; existem muitas rampas por aí que são muito
inclinadas e dão a falsa impressão de que estão beneficiando cadeirantes quando
na verdade são perigosas, pois podem derrubar os cadeirantes. Aí fica
inviável".
Mesmo com as limitações, tanto Luiz quanto Celi aparentam
ser pessoas independentes e as atitudes e iniciativas dos dois deixam isso
ainda mais evidente. Para eles dois, certamente a deficiência física é um
limite apenas para o corpo, mas definitivamente não é para o espírito.
Fernando Dias - Jornalista MTB/SC 4468