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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Juventude rural: partir ou permanecer no campo?


Segundo o presidente da Fetaesc, em Santa Catarina mais de 30 mil propriedades rurais estão com a sucessão familiar ameaçada

Desde 1970, o Brasil registra um processo de encolhimento da população rural, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Na última década, a pesquisa do Censo constatou que essa diminuição também foi registrada, já que no país, em 2010, havia 29.830.007 residentes na região rural, contra 31.835.143 em 2000. 

Esse processo presente há mais de 40 anos no Brasil é o que aprendemos na escola como êxodo rural - literalmente o abandono do campo. Algo que preocupa muitos governos em boa parte do mundo. E para aumentar ainda mais essa preocupação cercada de incertezas - nos últimos anos, associado aos números crescentes de abando do meio rural - outro assunto começou a ganhar destaque, o envelhecimento do campo e isso devido à migração de inúmeros jovens para as cidades. Para se ter ideia, entre os anos de 2000 e 2010, o êxodo rural atingiu mais de 835 mil jovens de 15 a 24 anos em todo o país, revela o IBGE.

"Infelizmente, acho que esta situação de abandono rural por parte dos jovens vai continuar. Temos de ser realistas: não vemos muitas expectativas de mudança. Aqui em Santa Catarina são 32 mil propriedade rurais que estão com a sucessão familiar ameaçada. E isso porque nunca houve políticas claras sobre a permanência da juventude no espaço rural", acredita José Walter Dresch, presidente da Fetaesc (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina), conhecida por lutar, entre outros ideais, pela implementação de políticas agrícolas de inclusão dos trabalhadores rurais, assegurando condições dignas de permanência no campo.

"QUERO FICAR"

Na região extremo oeste catarinense não há dados oficiais sobre esse tipo de êxodo rural. Mas basta andar pelas comunidades interioranas para se certificar da escassez de jovens que, seduzidos pelas teóricas facilidades da modernidade nas cidades, acabam por deixar o campo. Contudo, na linha São Vendelino, interior de São José do Cedro, o agricultor de 25 anos, Alexandre Vogt, está na contramão dos crescentes índices do êxodo rural de jovens. "Quero ficar por aqui, a qualidade de vida do interior não se compara à das cidades", diz o jovem que mora com os pais Luiz e Noeli Vogt em uma propriedade com 12 hectares. 

O irmão mais novo de Alexandre já reside, trabalha e estuda na cidade - caminho que o jovem de 25 anos não pretende trilhar. Em geral, a família Vogt prefere trabalhar com a policultura e tem como fonte de renda a produção de leite, verduras e frutas cítricas.

POR QUE SAIR?

Para Alexandre, que é formado no Ensino Médio, a troca do meio rural pelo urbano, em se tratando dos jovens, ocorre devido a alguns fatores. "Primeiro por questões financeiras. Aqui é bem difícil querer competir com estados como o Mato Grosso na produção de grãos, por exemplo; é comum muitos agricultores da região trabalharem com o leite, mas vejo que nesses casos a monocultura pode representar certo risco, já que se fica mais vulnerável a crises. Também é uma atividade onde não sobram muitos recursos", comenta ele, que acrescenta: "Depois por questões sociais. No colégio, por exemplo, há um incentivo cultural de que tudo na cidade é melhor e que no campo estão somente pessoas atrasadas e se o jovem não deixar o campo também será alguém considerado atrasado. Nas escolas não há incentivos convincentes para que os estudantes vejam a agricultura como uma profissão", opina ele. 

Nesse ponto o presidente da Fetaesc também concorda: "Em geral, no Brasil não há uma preocupação com a educação rural ou com atividades sociais de lazer e cultura, pois praticamente tudo está nas cidades. Inclusive ferramentas como a internet e o celular que são usados por muitos jovens", diz Dresch, que ressalva: "Na agricultura existe apenas a preocupação com o volume de produção. Há apenas o interesse em faturar e se esquece um pouco do ser humano agricultor. E isso não é garantia de permanência de jovens no campo".

INCENTIVO PARA PERMANECER


José Walter Dresch, presidente da Fetaesc
Cerca de oito milhões de jovens, com idades entre 15 e 29 anos, moram na zona rural brasileira, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Juventude. Conforme Dresch, o que falta para que não haja o abandono do campo pela juventude é uma ampla valorização do agricultor. 

"Entre educação, esporte, lazer há uma série de questões que são importantes; Como fazer para segurar, por exemplo, um adolescente que vai estudar na cidade e lá se depara com celular e internet; coisas que não estão presentes no campo, é evidente que ele vai querer ter contato com essa modernidade. Precisamos de políticas voltadas para o campo para que eles não queiram ir para as cidades".

Já o jovem agricultor da linha São Vendelino acha que as propriedades rurais precisam de maior incentivo público: "Não falo de apoio financeiro. Deveriam oferecer cursos profissionalizantes voltados para a agricultura e também incentivos sociais", ressalva ele, que finaliza: "A agricultura é a base de tudo; o poder público tem que olhar pro agricultor como uma fonte de produção de riquezas e não ver isso apenas nos parques industriais", acredita.


De olho no futuro

Com apoio da Epagri, jovem agricultor de linha São Vendelino trabalha otimista e vê boas perspectivas no ramo da fruticultura   


Percebendo as dificuldades para competir na produção de grãos com outros estados e não enxergando a monocultura como garantia absoluta de rentabilidade, a família Vogt, de linha São Vendelino, em São José do Cedro, acredita que uma boa alternativa de sobrevivência para um futuro bem próximo é a fruticultura. Tanto que aposta muito nesse segmento. 

Há cerca de um ano, com apoio da Epagri de São José do Cedro, do Programa SC Rural e do Programa Juro Zero, começou a ser implantada na propriedade uma URT (Unidade de Referência Tecnológica) com uvas. "Aqui estamos auxiliando no trabalho, para tornar o local uma referência na região em se tratando de fruticultura. Outros agricultores poderão visitar e conhecer na prática como tudo é feito e organizado. Nos próximos anos, será construída uma agroindústria onde deverão ser produzidos sucos, geleias, vinhos e outros derivados", explica o extensionista da Epagri, Elmar Hentz, reforçando que a URT tem também a missão de propagar e demonstrar aos produtores rurais diferentes formas e possibilidades de produção no campo. 


Agricultor de linha São Vendelino, Alexandre Vogt
Atualmente, no parreiral da família Vogt há em torno de 400 pés de uva e a ideia é chegar a dois mil nos próximos anos. "Temos aqui implantado o sistema de condução em Y, que facilita no manejo e diminui a mão de obra. Vamos ainda construir uma cobertura em todo o parreiral e implantar um sistema de gotejamento", diz o agricultor Alexandre Vogt. Uma preocupação na produção das uvas será a utilização de adubação orgânica. "Pensamos na sustentabilidade, por isso estamos usando em princípio pó de rocha, cinza, esterco bovino, cobertura verde para o solo e um biofertilizante produzido aqui mesmo", comenta o agricultor.

SISTEMA DE CONDUÇÃO EM Y

De acordo com o extensionista da Epagri, Claudinei Isoton, o sistema de condução em Y ainda é muito pouco utilizado na região, mas apresenta algumas facilidades se comparado ao sistema tradicional dos parreirais. "A diminuição da mão de obra é o principal diferencial, a facilidade do manejo também, já que as uvas ficam a mais ou menos 1,20 m do solo. Nesse sistema, dependendo do lugar, há uma maior incidência do sol sobre os frutos, o que faz com que os mesmos se tornem mais saborosos, diferente do sistema convencional que faz bastante sombra", explica.

COBERTURA DO SOLO

Como no sistema de condução em Y há maior insolação, alguns cuidados com o solo são essenciais. "Estamos trabalhando com uma prática de cobertura do solo com auxílio do amendoim forrageiro, que não causa erosão e não permite que o sol atinja diretamente a terra", conta Alexandre. "O sol em muitos casos queima os nutrientes e materiais orgânicos do solo, por isso essa precaução é importante", explica Elmar.

PERSPECTIVA

Se querer é poder, Alexandre e os pais Luiz e Noeli estão com meio caminho andado. Não falta empenho e vontade para a família se fortalecer e assegurar ainda mais rentabilidade na propriedade. Mesmo com uma perspectiva de permanência no campo incerta e o aumento do êxodo rural, principalmente por parte dos jovens, a decisão do agricultor de 25 anos em permanecer no campo está embasada em boas e promissoras perspectivas de futuro. 

"A agricultura é a base de tudo [...] Tem gente que me diz que sou louco por apostar assim na fruticultura, mas o Brasil é visto internacionalmente como um país com potencial para praticamente alimentar boa parte do mundo, por isso acredito que na  agricultura estão disponíveis boas perspectivas econômicas, e que a nossa região ainda pode crescer com a expectativa do turismo rural", diz Alexandre, que também mira esse horizonte de possibilidades.

Disponível no site do Folha do Oeste:

Juventude rural: partir ou permanecer no campo?

De olho no futuro



Fernando Dias (MTB/SC 4468)